segunda-feira, 11 de julho de 2011

Carta desabafo de um colega médico às autoridades

Ilmo. Chefe da Casa Civil

V. Excia. bem sabe que os desafios para se atender à população são muitos, gostaria de pontuar alguns. É imprescindível um plano de carreira nacional ou federal para os médicos. A municipalização da saúde embora se justifique pela descentralização é extremamente desvantajosa para o usuário e para o médico. Mesmo tendo o Brasil elevado número de médicos por habitante, várias populações ainda permanecem sem profissionais as assistindo. A imprensa informa mal à população e diz que "os médicos não querem ir para o interior". Trata-se de uma falácia, o que os médicos não querem é ir para o interior sem qualquer garantia e submetidos a pressões e chantagens políticas, e depois voltarem para a capital sem clientela, sem emprego, sem carreira.
Hoje a maioria dos médicos que atendem em prefeituras recebem o honorário da "desonrosa" e na sua maioria são contratados. As prefeituras fazem concursos por que o ministério público exige. Isso é ótimo para o ministério público que finge estar promovendo a justiça e é ótimo para as prefeituras irresponsáveis, pois realizam o concurso, exibem no edital um salário incompatível, os médicos fazem as provas e pagam inscrições, pois os órgãos de classe e o ministério público nada fazem para impugnar esses concursos, as prefeituras lucram. Então quando o médico vai tomar posse, geralmente por um salário de R$ 3000 a 6000 reais por mes num regime de 40 horas semanais, ele acredita que conseguirá negociar uma carga horária menor e concentrada num só dia, para obviamente trabalhar em outros serviços e conseguir pagar sua alimentação e moradia. Caso o Prefeito quer permitir algum concursado em sua folha de pagamento ou se está muito pressionado pela população que está sem atendimento há meses, ele faz "esse acordo" enquanto aquele profissional lhe interessar. Quando esse profissional fizer qualquer reclamação, ainda que para exigir condições mínimas de trabalho como uma mesa , uma maca , medicamentos, materiais esterilizados e etc., o gestor simplesmente faz a exigência legal do cumprimento da carga horária, e o médico pede demissão para sobreviver, pois com aquele rendimento não conseguirá se manter. Bem, devido a isso, apenas alguns meses após a realização de concursos em prefeituras, esgotam-se os médicos aprovados e excedentes, e a prefeitura pode contratar, "legalmente", médicos não concursados e explorá-los também. Geralmente quando chegamos num posto de saúde para trabalhar nesse sistema ou "esquema", encontramos uma demanda reprimida de atendimentos, uma população desesperada, sofrendo com patologias que já poderiam ter sido facilmente tratadas. Submetemos-nos a isso, atendemos 30, 40, 50 ou mais pacientes em um dia de trabalho e quando a demanda reprimida foi atendida, após 2 ou 3 meses, geralmente um(a) "gerente" do posto de saúde ou pronto-atendimento propõe o cumprimento da carga horária descrita para o cargo e salário, fingindo que nada aconteceu anteriormente. Sabemos que se trata de uma ilegalidade, mas nos submetemos a isso para sobrevivermos, só não sabemos por que administrações municipais economizam tanto com a saúde, a ponto de cometerem crimes. Mas o pior crime é contra a população que não tem atendimento, não tem profissionais fixados e compromissados com o serviço, exposta a materiais e estrutura física precários, sem qualquer fiscalização e com o seu médico assistente também de mãos atadas sem poder questionar, podendo apenas pedir demissão e passar por outra experiência triste em outro serviço de saúde.
Diante disso, fica fácil entender porque os médicos não se fixam no interior e não se comprometem com determinado serviço de saúde. Ele é obrigado a estar sempre trocando de emprego, fazendo negociações, aceitando trabalhar em vários “pulgueiros” ao mesmo tempo para sobreviver. Nas cidades do interior, a chantagem municipal é ainda pior, pois são cidades mais isoladas, distantes uma das outras, com poucas opções de emprego, onde as vezes prefeitos e vereadores querem que o médico chegue a ponto de discriminar um paciente por ele ser ou mesmo conhecer alguém da oposição. Como fica o médico que se mudou com sua família para o interior, não tem estabilidade alguma nem qualquer poder nessa relação de trabalho? Aceita tudo? Desrespeita a vida alheia? A ética? Tudo? Nessa situação é melhor ficarmos nas regiões metropolitanas, onde mesmo sofrendo tudo isso ao menos existe várias cidades e serviços de saúde no entorno das capitais onde nos alternamos vulgarmente e fugimos dos abusos maiores.

Peço que V. Excia. entenda que obviamente, além do interesse da categoria, a inexistência de uma carreira Nacional na saúde pública ou no SUS , prejudica o usuário, a pessoa mais sem recursos, aquela que realmente vai ao posto de saúde obter estes serviços que são o mínimo que um Estado como o nosso deveria oferecer. Pulverizar a categoria dos profissionais de saúde em empregados municipais, tática de extrema direita, não beneficiou o SUS ou o paciente e nem barateou a mão de obra, pois cada médico que passa por um posto de saúde ou posto do PSF (Programa de Saúde da Família), reavalia aqueles doentes, cujos exames já estão com data antiga, cujo tratamento foi interrompido, reinicia tudo novamente, e o barato sai caro. Solicite uma pesquisa, veja quantas vezes há mudança de médico em um posto do PSF ou em um ambulatório de qualquer município do Brasil.


Mais triste ainda é ver a sociedade enganada, escutando que há "falta de médicos", que o poder público, pobrezinho, não consegue arcar com as despesas da saúde. Há médicos e recursos de sobra, o que acontece é que quando se contrata um médico ele começa a atender doentes, fazer diagnósticos, pedir exames complementares e indicar medicamentos, cuidados de enfermagem, cirurgias, fonoaudiologia, fisioterapia, psicoterapia e etc., coisas com as quais quem assume o poder público não quer gastar. Prefeitos gostam é de obras. Então é muito simples para o corrupto tornar a vida desse profissional um inferno para que ele permaneça atuando somente em momentos que a população chegue ao limite, apagando o “incêndio”, força-o a uma demissão, pára de gastar com a saúde e diz que há falta de profissionais. Para onde vai esse dinheiro?

O extremo do abuso é o estelionato que nós médicos quando jovens, ainda adolescentes fomos vítimas. Optamos por uma carreira difícil, com a formação mais longa e intensa entre as graduações, um vestibular terrível, difícil, mesmo para o ingresso nas faculdades particulares. Conscientes de que após a graduação continuaríamos a viver pobremente para cursar a residência médica. Esperávamos ao fim de tudo isso ao menos uma vida digna, mais respeito e um mínimo de segurança. Nos deparamos com essa situação e ainda assistimos às faculdades caça-níqueis despejando vítimas da sua ganância nesse mercado catastrófico. Iludindo os filhos das classes pobres e médias baixas com o "sonho de ser doutor", os pais se matando e pagando só de mensalidade algo em torno de 3 a 5 mil reais, acreditando que estão ajudando seus filhos, dando-lhes o melhor. Como pode um Conselho Nacional de Educação permitir esse comércio. Bem, a resposta é simples, eles representam os donos das faculdades caça-níqueis e não o ensino brasileiro.

Finalmente, uma reflexão: Por que ainda não temos uma carreira nacional para os profissionais da saúde e educação, nos moldes do que existe hoje para funcionários do Banco Central, Banco do Brasil, Polícia Federal, Ministério Público ou Magistratura? Nessas carreiras e com seus salários e garantias ninguém se nega a ir para a fronteira, amazônia ou pequenas cidades. Talvez seja porque eles lidem com dinheiro, poder, papel importante não é? E nós apenas tratamos dos pobres.

OBS: A carta foi publicada com autorização do autor e seu nome foi retirado daqui por razões óbvias. Do grupo Facebook: Dignidade Médica

Resposta do Ministério da Saúde: Parecer técnico

Comentário: O parecer é de um cinismo absurdo, no final as prefeituras é que são as vítimas dos nossos "altos salários" (os médicos ganham em torno de3000 a 6000 reais por mes para trabalhar em regime de dedicação exclusiva, muitas vezes sem direito a descanso semanal, tendo que acordar a qualquer hora da noite para atender urgências, sem direito a férias ou décimo terceiro e em péssimas condições de trabalho). Por que se paga 30 mil a 40 mil por mês para um juiz ou promotor em início de carreira, no interior, e ninguém questiona que isso vai quebrar o Estado?

Pense nisto.

domingo, 3 de julho de 2011

Como explorar o trabalho médico e ficar bilionário.

amil2

Valorize-se doutor: diga não ao credenciamento médico.

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